segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

será?

Nesses dias, tenho parado para pensar sobre a inserção do afeto na produção comercial pornográfica, principalmente a gay. Ou seja, a inserção de elementos que vão além das questões comerciais ou mercadológicas, e que adentram a idéia de sujeitos que de alguma forma se afetam pessoalmente. Isso não é novidade na pornografia: há, por exemplo, atores-casais gays que fazem pornografia e que deixam transparecer sua relação afetiva frente às câmeras. E na pornografia amadora, é comum encontrar vídeos produzidos por casais e por redes de amigos e colegas que resolvem se tornar sujeitos sexuais e oferecem novos elementos afetivos na narrativa do vídeo ou da fotografia pornô.
Por outro lado, o que temos observado é a criação, na pornografia comercial, de uma rotina produtiva que toma o afeto como elemento fundamental em sua narrativa, ou seja, uma forma de produzir cenas de ação sexual que seja afetada pelas relações afetivas e pessoais de produtores e atores pornôs. Uma produtora que particularmente tem me feito pensar isso, é a BelAmi. Há nos seus vídeos um certo rodízio de parcerias entre os modelos, que são fixos, e que sempre fazem sexo nos cômodos de uma casa (ou de uma locação que lembra uma casa) grande e ampla. Sofás, camas, tapetes, salas, cozinha, dormitórios, escadas, etc, tudo pode se tornar locação para o sexo. Mas o que mais chama atenção é um clima de bastante descontração entre os atores, um acerta intimidade afetiva e pessoal, além de um certo profissionalismo. Parecia que nossas observações seguiam um caminho interessante.
Algum sinal nos foi dado pelo documentário All Boys, de George Duroy, que apresenta algumas estórias de atores pornôs gays no mercado do leste europeu - onde se localiza a produtora BelAmi e de onde se originam seus atores contratados. Os personagens apresentados no doc são jovens rapazes de baixa condição social: órfãos, do interior daqueles países, indo tentar emprego nas capitais, ou mesmo moradores de rua. Sem formação para encontrar um bom emprego e pelas facilidades de um certo e bom retorno financeiro, os rapazes optam pelas produtoras pornôs. O interessante é que, em geral, sem casa ou teto, passam a viver às custas da produtora, nas suas dependências, e criam uma relação afetiva entre si e com os próprios produtores. Para manter uma boa imagem, recebem roupas e acessórios como que de presente das produtoras, que também pagam despesar de alimentação, entre outras. Não estamos falando de escravidão (?), mas de um mercado que gera altos lucros e que possibilita que isso aconteça.

das amadora

A performance amadora nos leva a imaginar, nas cenas e vídeos assistidos, casais, amigos, sujeitos próximos ou de sexualidade privada, mas que permitem um olhar voyeur da ação: permitem a exposição de seus corpos como elementos sexuais, mas, além disso, expondo suas relações pessoais, afetivas, de confiança e de segurança para um espectador desconhecido. Faz parte de uma espécie de mágica no pornô amador a curiosidade ou o anseio de ir além da cena sexual, se questionando sobre a natureza, a personalidade e a relação cotidiana daqueles parceiros e sujeitos em cena. Se a pornografia profissional saturou os números e os diversos dispositivos performáticos do corpo dentro da ação sexual, o amador vem responder que o caminho pode estar em trazer à tona e colocar em cena o que parece, muito mais que o sexo, localizado numa redoma privada: o afeto e as relações íntimas entre os sujeitos. Em uma sociedade espetacularizada, em que o que mais se vê são corpos, corpos-limites, corpos desejáveis, corpos monstros, belos ou descorporificados, o corpo pornográfico reencontra-se no amador ou se reconstitui ou se reforma a partir da retomada do sujeito, que só o é quando encarna e é marcado pela sua relação afeto com o outro. Nesse sentido, podemos pensar afeto como o ato ou resultado de afetar, de tocar, de influenciar, de mexer, de marcar o outro. O sujeito espectador da pornografia amadora procura ser afetado de alguma forma, e parece ser afetado ao se deparar com o outro que sente afeto pelo corpo com o qual encena, ou seja, com o corpo que também está afetado pelo outro. Como se buscasse ser afetado pelo afeto, ou afetação, do outro.

domingo, 12 de janeiro de 2014

brigar com eles amá-los

eu queria mesmo que essa dissertação fosse um ajuntamento de signos. um ajuntamento de poemas, de referências, de ideias, de conceitos e de refrões. ajuntamento de paisagens, de redes, de pontos e vírgulas. ajuntamento de esperança e desespero. no final das contas do rosário, é assim mesmo que a gente vive: ajuntando signo, dando sentido a nossa vida por meio desses signos. cair no esquecimento é não ser mais signo dentro de uma rede de signos. signos que não precisam necessariamente de significantes - esses estão dispersos, sãos os mais diversos e inevitáveis possíveis - mas cuja ação efetua uma força

quero inventar mesmo uma nova forma: de escrever. um novo estilo? não sei. mas se não for aqui, não sei onde mais escrever desse jeito. não sei mais como ser ou não ser lido. (é) preciso ser lido. é narcísico, mas também é comunicação. comunicação de forças, diria Derrida, mais que o transporte de um sentido cujo conteúdo não muda de acordo com o meio (escrita, fala, algoritmos). sim, muda sim. muda na fala, muda na escrita. mudam a todo instante. os signos estão em movimento, é preciso destreza para capturá-los: para que logo fujam. é preciso força e violência para os capturar. é dessa violência que não quero lançar mão.

uma escrita que seja menos dissertação e mais poesia. porque, da poesia, tiro essa leveza; das palavras que deixam de ser e significar ou que significam doutras coisas na mesma frase, ou dois segundos depois de escritas: inscritas, cravadas. minha vertigem é escrever. aqui aciono os riscos, e toda a náusea desse gesto me toma. como, escrevo, ou vomito. nem quero mais comer de tanto escrever. sequer vomito. por que eu estaria aqui se não fosse para escrever?

quero menos uma linearidade cadente, por meio da qual os signos se acumulam, e cuja última palavra dá o tom de todo o escrito. não, isso não me satisfaz. é preciso que os signos se percam, se contradigam, ou nem se falem entre si. é preciso uma bagunça, uma confusão, o caos do/de signo. porque assim eles podem participar das diversas redes de signos, podem significar para fora desse texto: podem se citar, vinculam-se a outros significantes, geram forças outras. quero abrir, mais que fechar. quase que essa dissertação não sai. pois quis que ela saísse voando.

é como se, criado em meio e ao intermédio de tantas imagens, de tantas lembranças e ansiedades, de tantos corpos que acessei na internet e por meio da pele e do sêmen; por entre as palavras que são escritas, as poucas que são lidas, por entre os diversos livros, e obras e poemas lidos e escritos e revistos, eu preferisse o caos da desordem dessas coisas. por que? porque prefiro o caos para a potência de escolher os signos que me seguem e que eu sigo, e compor deles e com eles os caminhos, as escolhas, os desejos. esse trabalho microfísico, dessa materialidade do íntimo, do anseio das mãos que pescam e pesquisam por amigos e informações por meio da rede mundial de computadores.

já não tenho mais tempo, e o que me sobra são as minhas palavras. se falo de força, é pela força que implicam em mim que foucault, derrida e butler, dentre outros, constam aqui. mas constam mais como uma necessidade formal de citação, pois essa escrita, ainda, infelizmente, parece não saber lidar com essa força. queria que eles fossem personagens dentro de um romance, de uma estória sem fim. butler uma irmã sapatão e machuda, foucault um tio que morreu nos anos 1980 com AIDS, um ídolo, e derrida um senhor louco com quem tomo café na sua pequena e humilde casa, nos arredores da igreja onde fui coroinha. e assim eles falariam comigo, me diriam mais da vida do que da academia, queria um café com eles, mas sem o alerta acadêmico de gravar-lhes os ditos, de configurar suas falas, de trazê-los citados ao texto. não: queria um café comum, com ideias loucas vindas ao sabor do gole. pelos não-ditos; brigar com eles, amá-los.